A Palavra de Deus é um abraço ao homem!

A Bíblia não é apenas um livro pra se lê, mas é uma Pessoa que se descobre

Paulo Nunes

Quem nunca se feriu com uma palavra mal dita ou nunca se alegrou com uma palavra bem dita? Mas o que é a palavra e qual o seu significado? Em que ela nos interpela ou se faz necessária? Como ela esta relacionada com as pessoas e com o mundo? Não obstante a vasta significação, não querermos fazer um tratado sobre a palavra, mas, apenas pontuar algumas considerações sobre o seu significado e a importância da Palavra de Deus.

Uma palavra ou vocábulo é uma unidade da linguagem falada ou escrita. As palavras podem ser combinadas para criar frases, e seu significado deriva originalmente do grego parabolé, tomada emprestada pelo latim, que gerou parábola. As parábolas servem para nos aproximar de uma realidade grandiosa, de um ensinamento ou de um fenômeno. Lembremos de Jesus que as utilizou para falar do seu Reino e para ensinar. Palavra nos faz lembrar também, verbo, que do grego é Logos (logos). Uma palavra, na condição de verbo, numa oração gramatical, vem acompanhada do sujeito que a diz ou escreve, por isso, podemos até separar estas duas realidades e analisá-las separadamente, contudo, uma vez separadas, deixam de ser uma oração (o sujeito não se separa do verbo na oração: mesmo que ele seja oculto ou indeterminado, mas ele existe). Um verbo separado do sujeito é uma palavra morta e o sujeito separado verbo é uma palavra muda (Quem disse isso? Quem falou?).

Ao relacionarmos o verbo ao sujeito, entendemos a oração: sua natureza, finalidade, função, origem e significação. Ao pronunciarmos uma palavra, percebemos nela a força de quem fala e o efeito em quem ouve. O que entendemos das palavras? Sabemos o poder que elas possuem? Usamos corretamente as palavras? Dizemos as palavras certas, na hora certa, do jeito certo e para pessoa certa? Usamos as palavras para ludibriar ou para formar, corrigir, amar? Diz um poeta que as palavras nascem do mais profundo da alma, pois nela o espírito vivifica e transforma e que somente três coisas não voltam atrás: uma flecha lançada, uma oportunidade perdida e uma palavra dita.

Vivemos num mundo de muitas palavras eloqüentes em discursos, homílias, teses e notícias, porém, muitas destas, informam, mas pouco formam. Muita informação não quer dizer necessariamente que é formação. Excesso de informação não quer dizer inteligência, sabedoria ou conhecimento profundo, mas apenas uma camada superficial de conhecimento de uma realidade. Quando nos interpelam se sabemos disto ou daquilo, às vezes nos sentimos obrigados a querer saber ou ter se informado sobre, mas não somos obrigados a saber de tudo, conhecer todas as músicas, a nova novela que está no ar, o carro do ano ou o último número sorteado da mega sena. Há muitos saberes e pouco conhecimento. É melhor ser profundo em poucas palavras do que técnico em muitas elucubrações de discursos que apenas informam. Sabe-se dizer, mas não se conhece.

O mês de setembro nos faz lembrar, refletir, estudar e reverenciar a Palavra de Deus, a Bíblia. Mas, será que palavras tão antigas ainda nos falam? Se as palavras contidas nas belas músicas de Roberto Carlos ainda nos tocam, quanto mais as palavras contidas nas músicas de Deus e transcritas no Livro da Vida. As palavras expostas na Bíblia não são iguais às que estão em qualquer livro, pois estas informam: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para persuadir, para corrigir e formar na justiça...” (2Tm 3,16), esta palavra é encarnada na história, na cultura, na vida do homem; ela forma, porque a mensagem é antiga e sempre nova pela pertinência da abordagem, não exprimem somente visão e sons das letras, mas descobre-se uma Pessoa, totalmente amor, Ser Supremo... a Bíblia é uma pessoa que se descobre. A palavra cria, alimenta, transforma e faz-se carne: No princípio era a Palavra, e a Palavra era Deus. Ela existia no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo que existe. Nela estava a vida e a vida era luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la. (...) E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós (Jo 1, 1-14).

A Bíblia é ‘A PALAVRA DE DEUS’ e é uma fonte de profunda sabedoria que reverenciamos. Nela, se encontra a Voz de Deus e seus ensinamentos, ditos aos homens há muito tempo e que ainda hoje nos são ditos. Portanto, lida e entendida com cuidado para evitar equívocos. A interpretação da Palavra deve acompanhar o texto (o que esta escrito?), o contexto (qual a cultura e o tempo em que foi escrita?) e o pretexto (para que/quem foi escrita?) para que a ela seja dada a devida interpretação. Por isso, a Tradição e o Magistério da Igreja podem nos ajudar a não deixarmos o essencial e vivermos a fé na Palavra.

Bíblia vem do grego biblos (Biblos), que quer dizer – conjunto de livros. O entendimento da Bíblia não pode ser fora de todo círculo de vida que a envolve. Nela, esta contida a Palavra de Deus, contudo, a Bíblia em si não é Deus, mas o relato bíblico que me revela a Palavra de Deus. A Bíblia não é um livro apenas pra se lê, mas é uma pessoa que se descobre. É uma Pessoa escondida entre as letras, é um sinal divino em cada pontuação, é o Eterno que entra no tempo e se esconde em fragmentos. Nela, há um tesouro escondido e que só encontramos aos poucos. Ninguém sabe tudo, muitos podem até decorá-la, mas poucos fazem um encontro com Uma Pessoa, uma experiência de fé. O nosso relacionamento com a Palavra de Deus se dá não como cientistas da palavra, mas, principalmente, como crentes, e isso não tira de nós, sujeitos – leitores, uma visão crítica da realidade apresentada na Bíblia. Saber de Bíblia, muitos sabem, até o diabo (quando tentou Jesus no deserto – cf. Mt 4,1-11), mas reverenciá-la, somente o homem/mulher de fé é capaz de fazer.

A fé cristã amadurece com a Palavra e se alimenta da Eucaristia, por isso, passa pela Lectio Divina (Leitura Orante da Palavra) e pela abertura ao sopro do Espírito Santo que promove o encontro de intimidade com Deus. “A Bíblia é a Palavra de Deus semeada no meio do povo, que cresceu, cresceu e nos transformou ensinando-nos a viver um mundo novo...”. Contudo, a Palavra de Deus deve acompanhar a nossa vida e provocar em nós uma relação íntima e meditativa, que nos possibilite ruminá-la e fazer a experiência do profeta Ezequiel, de comer a palavra e sentir o doce e o amargo, bem como situar-se na história, que também é nossa e atualizar o verbo de Deus: ‘Tu, filho do homem, escuta o que te digo’. Não sejas rebelde como aquela gente rebelde. Abre a boca e come o que te vou dar. Olhei e vi uma espécie de mão que se dirigia para mim, segurando um manuscrito enrolado. Abriu-o diante de mim: estava escrito nas duas faces; e lia-se: ‘Lamentações, gemidos e choros’. Disse-me: ‘Filho do homem, come aquilo que te é apresentado, come este manuscrito e vai falar à casa de Israel’. Abri então a boca e Ele deu-me o manuscrito a comer. E disse-me: ‘Filho do homem, alimenta-te e sacia-te com este manuscrito que agora te dou”. Comi-o e ele foi, na minha boca, doce como o mel. Então, disse-me: “Filho do homem, dirige-te à casa de Israel, e leva-lhes as minhas palavras” (Ez 2, 8-3,1-4).